

— Com fome, amigão? — Nicolau quebrou metade do sanduíche instintivamente. — Toma…
O cão pegou o pedaço com cuidado, quase com delicadeza — sem gula, sem baba, como se tivesse sido criado com esmero. “Com certeza já teve um lar”, pensou Nicolau, enquanto observava aquele companheiro inesperado.
No final da tarde, a rodoviária fervilhava como uma colmeia — passageiros apressados, o burburinho da multidão, o cheiro de café barato e salgados fritos. Exausto até os ossos, Nicolau se largou num banco gasto, na beirada da praça.
Três dias de viagem a trabalho — parecia um ano sem dormir. Queria uma coisa só: estar em casa, abraçar a Masha, tirar aquela gravata maldita e simplesmente… estar.
O cachorro surgiu como se tivesse saído do entardecer
Um bicho grande e peludo, com olhos cor de mel incrivelmente expressivos, sentou-se ao lado dele, encarando o sanduíche. Não com arrogância — com contenção, mas a fome era evidente. Nicolau percebeu logo: sim, estava sujo, sim, o pelo ralo em alguns pontos, mas a postura, o jeito de se portar… era de quem já tivera um lar. Já fora amado.
Os pensamentos foram interrompidos por um empurrão forte — o café caiu no casaco, o banco balançou, e Nicolau, desequilibrado, caiu no asfalto molhado. Ainda conseguiu ver de relance — um agarrava a mala, o outro fazia cobertura…
— Ei! — gritou, mas já era tarde.
As figuras sumiram na esquina, levando seus pertences para aquele terreno baldio que os locais evitavam. Nicolau tentou correr atrás, mas logo percebeu — não adiantava. Bairro desconhecido, tudo escuro…
De repente — latidos, curtos e ferozes. Uma sombra ruiva disparou atrás dos ladrões. O cão…
— Onde vai? — um segurança o parou na guarita da rodoviária. — Ali atrás é área perigosa. Melhor chamar a polícia.
E ele chamou. Depois, a delegacia. Barulho, conversas, rostos. Pelos fragmentos de diálogos, entendeu: não era o primeiro roubo. Eles trabalhavam em dupla — um distraía, o outro levava.
— Quinto caso da semana — constatou o policial, sem levantar os olhos das anotações. — Normalmente são bolsas, mas agora foi uma mala…
— Tinha um notebook, documentos — suspirou Nicolau. — E presentes… Minha filha vai se apresentar. Um figurino feito sob medida. Um unicórnio de pelúcia. Ela está esperando.
Não ligou para casa
Pra que preocupar a Masha antes da hora? Melhor tentar encontrar a mala. Uma chance mínima ainda era melhor do que voltar de mãos vazias.
O hotel de nome pomposo — “Conforto” — o recebeu com cheiro de repolho e água sanitária. Nicolau revirou-se até o amanhecer, com o cão sempre na lembrança — o jeito que olhou, que pegou o pedaço… e como saiu correndo sem dizer nada. Talvez estivesse perdido. Ou abandonado. Mas a dignidade… essa ficou.
A ligação pela manhã despertou mais que café
— Senhor Nicolau? — a voz do tenente Smirnov estava empolgada. — Encontramos sua mala. Moradores avisaram — ouviram latidos e barulho à noite. De manhã… a mala, intacta. E ao lado…
— O quê?
— O cachorro. Está lá. Não deixa ninguém chegar perto. Nem sai de perto da mala. Nem comida aceita. O controle de zoonoses vem depois. Mas… talvez o senhor queira vir?
Dez minutos depois ele estava lá
O terreno baldio, ao amanhecer, já não parecia tão assustador. Perto da cerca torta havia algumas pessoas. Nicolau parou — ao lado da mala, como um sentinela, estava o mesmo cachorro. Ao vê-lo, abanou o rabo, mas não saiu do lugar. Só quando Nicolau se aproximou, o cão permitiu que ele tocasse na mala.
— Você é demais… — disse, agachando-se. — Ficou de guarda a noite toda?
O cachorro apenas desviou o olhar, modestamente.
— Nunca vi isso — balançava a cabeça Smirnov. — Um vira-lata comum. Mas parece cão treinado. Deve ter tido dono…
— E isso aí, que pano é esse? — Nicolau apontou para um pedaço de tecido.
— Pela marca dos dentes — parece um jeans. Alguém ficou sem a barra da calça, pelo jeito…
A mala estava intacta
Tudo no lugar. O notebook, os brilhos do figurino, o unicórnio. Nicolau respirou fundo — como se um peso saísse das costas. E o coração… apertou, quando o cão sentou-se ao lado do carro e o olhou com um olhar cheio de esperança e súplica.
“O que eu vou fazer com ele? Onde vai ficar? Como vou alimentá-lo?” — os pensamentos vinham em turbilhão. Mas aqueles olhos cor de mel diziam claramente: eu sou seu.
— Deixar esse aí pra trás seria crime — disse Smirnov, como se lesse seus pensamentos. — Isso não é só um cachorro. É um tesouro.
Nicolau se agachou. O cão imediatamente encostou a cabeça em seu joelho.
— E se alguém estiver procurando por ele? — perguntou.
— Difícil. A gente já conhece ele faz tempo. Já teve coleira, depois não. Parece que foi abandonado. Acabou ficando por aqui, na rodoviária.
Uma cena surgiu em sua mente: Masha, seus pedidos, as revistas sobre cachorros, o sonho de ser veterinária
“É como se tivesse sido enviado por Deus”, pensou. “E eu, feito bobo, ia deixar passar?”
— Mas é uma responsabilidade… — murmurou. O cachorro olhou direto nos olhos dele.
Ele pegou o celular.
— Masha, oi. Lembra que você queria um cachorro?
Silêncio. Depois, um grito de alegria:
— Papai! Sério?! Não é brincadeira?!
— Um verdadeiro herói. Guardou minha mala. Só que é grande. E peludo…
— Eu vou cuidar dele! Eu sei tudo! Qual é o nome dele?
— Ainda não tem nome. Mas é um verdadeiro guardião…
— Então vai se chamar assim — Guardião!
Guardião levantou a cabeça com orgulho, como se aceitasse o nome
— Parece que ele gostou — riu Nicolau. — Então tá decidido.
— Pai, eu te amo! E a ele também!
— Mas primeiro — vamos ao veterinário.
A clínica veterinária os recebeu com surpresa
— Que amorzinho — disse a veterinária, acariciando o cachorro. — Parece mistura de pastor com retriever. Uns três anos de idade. Saudável, mas magro…
Agora Guardião tem um cantinho só dele, um potinho com seu nome e, o mais importante — uma família. À noite, deita aos pés de Nicolau e escuta Masha pedir, de novo e de novo, para contar a mesma história — de como um cachorro, um dia, guardou uma mala. E encontrou um lar.
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