Enquanto eu levantava a faca para cortar o bolo de casamento, minha irmã me abraçou forte e sussurrou: “Joga fora. Agora.”

A inauguração da galeria no SoHo estava lotada, barulhenta e pretensiosa — exatamente o tipo de lugar que eu, Maya, costumava evitar. Eu era uma artista em dificuldades, especializada em pinturas abstratas a óleo que os críticos descreviam como “promissoras”, mas os compradores como “confusas”. Fiquei num canto, segurando uma taça de vinho branco barato, observando as pessoas ignorarem meu trabalho.

Então David entrou.

Não era só a sua beleza — embora ele tivesse aqueles traços simétricos e definidos que só se vê em revistas. Era o jeito como ele se movia — com uma graça natural e imponente que lhe permitia abrir caminho pela multidão. Ele caminhou direto para a minha pintura mais sombria e enigmática,  O Vazio Azul  , uma obra que eu havia precificado absurdamente alto só para evitar vendê-la.

“É magnífico”, disse ela, virando-se para mim. Seus olhos eram de um azul gélido impressionante. “Captura a sensação de sufocamento ao ar livre. Eu preciso tê-lo.”

“Na verdade, não está à venda”, gaguejei.

“O dobro do preço”, respondeu ela, sorrindo. “Considere um desconto para conhecer a artista com os olhos mais tristes desta sala.”

Foi assim que tudo começou. Os seis meses seguintes foram um turbilhão do que agora reconheço como “bombardeio de amor”, mas na época parecia obra do destino. David era perfeito. Era um investidor de risco com recursos ilimitados e um charme ainda maior. Encheu meu estúdio de peônias importadas. Levou-nos para jantar em Paris porque eu mencionei que queria um croissant específico. Ouvia meus sonhos e reforçava minhas inseguranças. Fazia-me sentir o centro do universo.

Meus amigos tinham inveja. Meus pais ficaram aliviados por eu finalmente ter encontrado estabilidade.

Apenas Sarah, minha irmã mais velha, permaneceu indiferente.

Sarah era uma advogada pragmática e de língua afiada, que enxergava o mundo em termos de risco e responsabilidade. Enquanto todos suspiravam com os gestos de David, ela o observava com a intensidade de um falcão.

“Ele é perfeito demais, Maya”, ele me avisou certa noite, enquanto tomávamos café na minha cozinha. “Ninguém é tão impecável assim. Parece… calculado. Como se ele estivesse seguindo um roteiro.”

“Você está sendo cínico”, respondi, magoado. “Por que você não consegue ficar feliz por mim? Você está com inveja?”

Essa acusação a silenciou, mas não mudou a expressão de profunda preocupação em seus olhos.

O dia do casamento chegou como um crescendo. O local escolhido foi o Grand Conservatory, um palácio de cristal repleto de milhares de orquídeas brancas. Eu estava no altar, envolta em um vestido de seda feito sob medida, segurando a mão de David. Éramos o casal perfeito. A cerimônia foi impecável. A recepção, um sonho.

Chegou o momento de cortar o bolo. Uma torre arquitetônica de sete andares feita de pasta americana e açúcar, coroada com folha de ouro.

David sorriu para mim.

—Pronto, meu amor?

Ele colocou a mão sobre a minha, no cabo prateado da faca. Olhei para ele com adoração, acreditando que minha vida finalmente havia atracado no porto da felicidade.

De repente, Sarah subiu ao palco.

Parecia um gesto amigável de parabéns. Os convidados sorriram. Sarah me abraçou forte. Mas, no instante em que seus braços me envolveram, senti-me tremer. Vibrei com um terror tão profundo que se tornou contagioso.

“Sarah?” sussurrei.

Ela não se afastou. Ajoelhou-se, fingindo ajustar a cauda do meu vestido, escondendo o rosto de David e dos convidados.

Sua mão apertou meu tornozelo com força, deixando marcas roxas. Ele se inclinou e seus lábios roçaram minha orelha. Sua voz era fria; um sussurro carregado de medo primitivo.

—Não corte o bolo. Jogue-o fora. Agora. Se quiser sobreviver esta noite.

Prendi a respiração. Dei um passo para trás para olhá-la. Queria perguntar por quê, queria chamá-la de louca.

Mas então olhei além dela. Cruzei o olhar com o de David.

Ele não me olhava com amor. Não olhava para Sarah. Estava encarando o relógio, o maxilar tenso, impaciente. E quando seus olhos voltaram para o bolo, um pequeno sorriso frio surgiu em seus lábios — um sorriso de expectativa, como o de um caçador observando sua armadilha se fechar.

Eu não esperava uma comemoração. Eu esperava um resultado.

“Vamos lá, querida”, sussurrou David, baixando a voz e perdendo todo o calor. “Corte fundo. Mal posso esperar para você dar a primeira mordida. A cobertura é… especial.”

A mão dele na minha já não era um carinho. Era uma algema.

Olhei em seus olhos. O azul gélido já não era bonito; estava vazio, desumano, como o de um tubarão.

O aviso de Sarah ecoava na minha cabeça.  Continue.

Não pensei. O instinto assumiu o controle.

Em vez de baixar a faca, transferi meu peso. Empurrei o carrinho de prata com o quadril, com toda a força que tinha.

COLIDIR.

O som foi cataclísmico. A torre de sete andares oscilou por um segundo e então desabou sobre o piso de mármore. A porcelana se estilhaçou. Camadas de bolo e creme explodiram para fora, respingando nos convidados da primeira fila. Folhas de ouro e glacê branco cobriram meu vestido e o smoking caro de David.

A sala mergulhou num silêncio sepulcral. O quarteto de cordas parou no meio de uma nota.

David congelou. Um fio de creme escorreu por sua bochecha. Sua máscara de sofisticação desapareceu, substituída por uma expressão de pura e selvagem fúria.

“Sua vadia estúpida!” ele rugiu, levantando a mão como se fosse me bater ali mesmo.

Sarah não esperou. Tirou os sapatos de salto alto. Agarrou meu pulso com uma força de ferro.

—¡CORRE!

Corremos. Duas irmãs, descalças, pelas ruínas de um conto de fadas. Escorregamos na cobertura de glacê, tropeçamos em destroços e corremos não em direção à saída principal, mas sim em direção à entrada de serviço que Sarah havia inspecionado antes.

“Parem eles!” gritou David. Não era a voz de um namorado. Era a ordem de um comandante.

Entramos na cozinha de repente pelas portas duplas, assustando os chefs. Sarah não diminuiu o passo. Derrubou um suporte de panelas atrás de nós, criando uma barreira de metal.

“Sarah, o que está acontecendo?!” exclamei, ofegante, pegando meu vestido rasgado.

—Simplesmente corra!

Atrás de nós, as portas bateram contra a parede.

David apareceu. Ele não estava mais fingindo. Tirou um rádio tático do bolso do smoking.

“Código Vermelho!” ele gritou no dispositivo. “O alvo está em fuga! Isolem o perímetro! Quero os dois vivos. Quebrem as pernas deles se for preciso, mas não toquem nos rostos.”

O ativo.

Os “seguranças” — homens que eu pensava terem sido contratados para controlar a multidão — sacaram armas. Não pistolas, mas tasers e bastões extensíveis. Eles não eram seguranças. Eram mercenários.

“Por aqui!” Sarah me puxou em direção à rampa de carga. O ar frio da noite bateu no meu rosto.

Corremos em direção ao estacionamento dos funcionários. O velho carro de Sarah estava estacionado perto da saída, virado para fora. Ela tinha organizado tudo.

“Entra!” Ele me empurrou para o banco do passageiro e pulou para dentro ao lado do motorista.

Ele procurou as chaves com as mãos trêmulas. Olhei pela janela. Um dos mercenários corria em nossa direção, brandindo uma bengala.

“Sarah!” gritei.

O homem chegou ao carro no exato momento em que o motor roncou. Ele golpeou o vidro do passageiro com sua bengala. Os estilhaços de vidro se espalharam por toda parte, me atingindo em cheio. Eu gritei.

Sarah pisou fundo no acelerador. O carro deu um solavanco para a frente, a porta aberta batendo no mercenário, lançando-o para longe na escuridão. Saímos derrapando do estacionamento, deixando o pesadelo para trás.

Dirigimos em silêncio por dez minutos. Sarah ziguezagueava pelo trânsito como uma motorista profissional, checando constantemente o retrovisor. Uma brisa fria entrava pela janela entreaberta.

“Por quê?”, murmurei, tirando cristais do meu cabelo. “Por que ele fez isso? Por que ele me chamou de ‘ativa’?”

Sarah não respondeu imediatamente. Ela tirou uma pasta de papel pardo e um pequeno gravador de voz debaixo do assento e os jogou no meu colo.

“Entrei no escritório dele esta manhã”, disse ele, com voz áspera. “Eu sabia que havia algo de errado com essas ‘viagens a negócios’ dele. Escute.”

Apertei o play. O áudio estava um pouco ruidoso, gravado com um microfone escondido.

Voz de David:  “Não se preocupe, chefe. A dívida está paga hoje à noite. Ela é perfeita. Artista, sem conexões familiares importantes, histórico médico impecável. E como ela será minha esposa legal, ninguém vai reclamar quando formos para nossa ‘lua de mel’.”

Voz desconhecida (distorcida):  “E a entrega?”

David:  “Hoje à noite. O bolo está recheado com uma dose cavalar de ketamina. Vai fazer efeito durante a recepção. Vou levá-la para a suíte nupcial para ‘descansar’. Você traz a van por trás. Você consegue levá-la para o outro lado da fronteira antes do amanhecer. Colha os órgãos dela ou venda-a para bordéis no Leste Europeu, não me importo. Só quero que ela quite minha dívida de 5 milhões.”

O áudio foi interrompido.

Eu paralisei. Minha mente queria rejeitá-lo. As flores. Paris. Suas doces palavras.

Tudo era um investimento. Eu não era uma pessoa para ele. Eu era gado. Eu era um cheque que ele estava descontando para salvar a própria vida.

“Ele… ele ia me vender?”, consegui dizer entre engasgos.

“Ele ia te matar, Maya”, disse Sarah, com os olhos marejados. “Ele não é um príncipe. Ele é um rato encurralado.”

“Para onde vamos?” perguntei, enxugando o rosto. “Precisamos nos esconder.”

“Não”, disse Sarah, com o maxilar cerrado. “Não vamos mais nos esconder. Vamos à delegacia.”

—Ele tem dinheiro! Ele tem homens!

“E temos provas”, disse ela. “Tem uma caixa térmica na mochila. Peguei uma amostra da cobertura do último andar do bolo. Aquele que era só para você.”

Chegamos à delegacia. Entrei vestindo meu vestido de noiva destruído, coberto de cacos de vidro, segurando as provas da minha própria tentativa de assassinato.

A polícia ouviu a gravação. Analisaram a amostra da cobertura de bolo. O kit ficou roxo escuro. Positivo para níveis letais de cetamina.

De volta ao Conservatório, David estava em “modo de controle de danos”. Ele subiu em uma cadeira e falou com os convidados fingindo estar aflito.

“Sinto muito”, anunciou ela, com a voz trêmula. “Minha querida Maya… ela teve um colapso nervoso. A pressão… ela fugiu. Por favor, volte para casa. Eu preciso encontrá-la.”

Eu estava tentando esvaziar a sala para que os homens dele pudessem me procurar.

Então as sirenes soaram.

Seis viaturas policiais pararam em frente ao local. Uma equipe da SWAT invadiu o local.

O capitão entrou na sala, seguido por Sarah e por mim. Ela ainda vestia o vestido, mas já não tinha a aparência de uma vítima.

David me viu. Um lampejo de alívio cruzou seu rosto… até que ele viu os policiais.

Ele tentou desempenhar seu papel pela última vez. Correu em minha direção, de braços abertos.

—Maya! Graças a Deus! Querida, você está bem? Você teve um episódio…

Prossegui. O cômodo ficou em silêncio.

Eu não gritei. Eu não chorei.

Aproximei-me dele. Ele cheirava a suor e medo.

Eu lhe dei um tapa. Forte. Um golpe que ecoou por toda a sala.

“O show acabou, David”, eu disse friamente. “Sua dívida está paga. Mas você vai pagá-la com vinte anos de prisão federal.”

Os policiais o imobilizaram no chão. Algemas. Prisão. Seus mercenários foram detidos nas saídas.

Enquanto o arrastavam, ele olhou para mim, sem máscara, revelando o homem vazio que realmente era.

“Eu te amava”, mentiu ele.

“Não”, respondi. “Você adorou o preço.”

O sol estava apenas começando a nascer quando nos sentamos na praia, a poucos quilômetros da delegacia de polícia. Tínhamos acendido uma pequena fogueira com pedaços de madeira trazidos pela maré.

Fiquei junto à lareira, tremendo com o frio da manhã. Tirei o vestido. Pesava tanto quanto o engano que eu havia orquestrado.

Joguei-o nas chamas.

A seda queimou instantaneamente, enrolando-se e ficando preta. Eu assisti enquanto meu “conto de fadas” era consumido.

Sarah se aproximou e colocou um cobertor de lã sobre meus ombros. Ela me abraçou.

Apoiei a cabeça no ombro dele, observando a fumaça subir.

“Sabe”, sussurrei. “Pensei que você estivesse com ciúmes. Pensei que você odiasse a minha felicidade.”

Sarah sorriu, um sorriso cansado e triste. Ela apertou meu ombro.

“Eu nunca quis que você fosse infeliz, Maya”, disse ele. “Eu só queria que você continuasse viva. Eu não preciso de um príncipe para você. Eu só preciso da minha irmã.”

Ficamos ali parados, observando o sol dissipar a neblina. O conto de fadas era uma mentira, uma armadilha armada por um monstro de smoking. Mas, enquanto segurava a mão da minha irmã, percebi que tinha algo melhor do que um conto de fadas.

Eu tinha a verdade.
E tinha a única pessoa capaz de incendiar o mundo inteiro para me salvar.

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